Rotterdam de 1959

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Quando foi construído o Rotterdam possui o casco cinza com somente uma
pequena faixa amarela. 

Uma das maiores “grand ladies” da navegação mundial, assim pode ser definido o Rotterdam de 1959. O navio, que mais tarde seria conhecido como Rembrandt, é um grande liner da época áurea da navegação transatlântica.

 
Na época em que foi construído, tinha como objetivo, assim como vários outros, como o Camberra, e o France/Norway, cumprir as linhas entre a Europa e a América, os EUA. Porém, com o advento da aviação comercial, teve que se adaptar aos novos tempos, e assim como vários outros navios, passou a oferecer cruzeiros. 
Mais tarde o casco do navio foi pintado de azul. 
E assim foi, até 1997, foi um dos mais famosos navios de cruzeiro do mundo, levando a imagem da Holland America Line. Em todo mundo, seja por seu design inusitado, ou por sua imponência, o navio é sempre lembrado quando o assunto é grandes navios do passado. 
 
 
 
No Brasil não poderia ser diferente. Além de ter passado pelo Brasil algumas vezes, ainda a serviço da Holland America, o navio fez duas temporadas no Brasil pela Premier Cruises, entre 1997 e 1999. Na época, o navio marcou época por conta de seu serviço e instalações refinadas, e ainda hoje é lembrado como um dos mais interessantes navios a fazer temporadas no país. 
Quando veio a Santos, o navio já possuía, porém, com um tom diferente do
da época que usava quando navegava para a HAL.  
Um dos brasileiros que teve a oportunidade de conhecer o navio, ainda que fora do Brasil, é o jornalista Sérgio Oliveira, que nos deixa o interessante depoimento sobre sua experiência no navio. Confira:
 

A primeira vez que eu vi o Rotterdam, por volta de 1987/88, se tornou uma ocasião inesquecível por dois acidentes do acaso. Eu estava a bordo de um cargueiro, em meio ao seu carregamento, cujo comandante era um holandês de humor flutuante. 

Aqui é visto no antigo Terminal de Passageiros de Santos, a Casa do Café,
no Armazém 15. 

Era de manhã mas não muito cedo. Na hora que eu cheguei na cabine do comandante, o Rotterdam começava a passar a bombordo, chegando ao porto. Fomos ambos para a ponte, vê-lo passar e ali ficamos uns minutos até que o navio se aproximasse do seu ponto de atracação.

Eu já sabia de sua existência e dos seus itinerários há muito tempo, mas vê-lo ao vivo foi algo inesquecível.

Na temporada 1997/1998 fez doze viagens com embarque em Santos, haviam
roteiros para o Nordeste e o Prata, e até um mini-cruzeiro. 

Dado que fomos a ponte, eu achei que o comandante estava interessado em ver o navio ou por este ser holandês, ou pelo lendário navio de passageiros que se tornara. Embalado nesta idéia eu lhe perguntei se ele gostaria de ser comandante de um navio assim. A resposta veio rápida e seca: “Não… a carga fala.” Me fez rir e assim ganhou lugar na minha memória daqueles anos.

Qual foi a a minha impressão do navio naquele momento? A mesma que teria por vários anos: que ele era um navio estranho por fora. Parecia que algo havia cortado pedaços inteiros dos decks superiores a popa. Faltava uma chaminé própria, central ou dupla. Mas estranhamente, navegando assim lento, ele tinha uma elegância e uma certa majestade.

O navio foi adquirido pela Premier Cruises e renomeado Rembrandt em 1997. 

Sai do navio, e na volta para a agencia decide ir dar uma olhada no Rotterdam atracado. Infelizmente, naquele dia, só teria tempo para isso dado que as tarefas eram muitas e o tempo curto. Ao ve-lo atracado, a segunda marca em minha memória foi descobrir que o acesso ao navio se dava não por uma ou mais escadas se elevando aos decks principais mas sim por uma rampinha, curta, que se ajustava a um dos decks mais próximos do cais. Era irônico um navio grande como aquele estar ‘ligado’ ao cais por algo tão pequeno. Foi a primeira vez que veria algo que mais de quinze anos mais tarde se tornaria quase que padrão em navios de cruzeiro.

Lembro também da cor do casco, um azul denso que quase parecia preto mas tinha como que uma camada de poeira por cima. Era um efeito fosco que raramente havia visto então.

Acho que ele estava em um dos seus lendários cruzeiros de volta ao mundo. Vinha só com passageiros em transito, e partiria em algumas horas. A Holland America não havia sido vendida a Carnival ainda, e o Rotterdam ainda era o ‚nau-capitanea’ da frota.

Navegou pela Premier Cruises até 2000, quando a companhia faliu. 

Dez anos se passariam até que eu o encontrasse de novo. Lembro da manhã de sol em Southampton, do leve atraso ao navio chegar, de espera-lo no cais do Ocean Terminal (utilizado pela Cunard e que me pareceu mais adequado a receber um ex-transatlântico de carreira do que o Mayflower Terminal que sempre me pareceu mais P&O e carreira da Ásia). Naquele dia aquele trecho de cais, que vai da ponta mais ao sul do porto, olhando o Solent em direção a Portsmouth, até aonde o Titanic um dia atracou, passando por onde existiu o mais famoso Ocean Terminal (do qual só restavam na época parte da escada de acesso da plataforma ferroviária), estava vazio. O sol se fortalecia e a superficie do Solent reluzia.

E eis que de repente eu o vejo, agora com o nome de Rembrandt, avançando lentamente em direção ao cais, ainda com o casco de uma cor escura, mas já uma pintura mais padrão do que a que vira na primeira vez.

Me continuava sendo um navio de porte estranho. Mas logo ele atracou e tendo chegado em lastro, sem passageiros, em alguns minutos estávamos na rampa de acesso a bordo (não mais a pequena rampa, perto do cais, mas a própria rampa do terminal que nos deixava em um dos seus promenade decks).

O Rotterdam/Rembrandt tem um estilo de desenho diferente da maioria de todos
os outros navios, a começar pelas chaminés, que são inspiradas nas do Eugenio C.

A nossa guia na visita, uma das muitas funcionárias do navio, ali nos recebeu e nos conduziu primeiro ao Club Carlton, que tinha tanto renome entre os passageiros fiéis da HAL como o próprio navio tivera. Ali eu comecei a entender a magia daquele navio: ele estava, praticamente, do mesmo jeito como quando fora lançado em 1959. Móveis reformados e carpetes novos, mas todo o esquema de decoração seguindo as cores, e em vários casos os materiais, originais. Era entrar em uma máquina do tempo e entender porque o navio, nos tempos de HAL, vivia lotado: passar dias ali era escapar um pouco os dias modernos, era relembrar épocas mais serenas no mundo e na navegação.

Os decks eram de teak, bem cuidados e um prazer de serem vistos. Algumas partes, cobertas, lembrando outros navios ainda mais antigos. As cabines eram amplas e com muita madeira na decoração dando uma sensação de harmonia e aconchego nos dias mais frios. No Queen’s Lounge ainda havia o abat-jour fixo sob o qual a Rainha da Holanda fazia seu tricot ou lia nas travessias. No Ambassador’s Club ainda havia aquela atmosfera de ‘boite’ dos anos 60.

Após um longo período de abandono e posteriormente de reformas,
o Rotterdam foi recebido na cidade de mesmo nome em 2008. 

Almoçamos em um restaurante que, como em quase todo transatlantico que se preze, ficava nos decks baixos do navio. Tinha um teto alto, cores harmoniosas, e ainda aquele visual do final dos anos 50.

 
Foram horas agradáveis que terminaram quando o embarque dos passageiros começou e o navio deixou de ser somente ‘nosso’. A funcionária (uma brasileira e que iria ficar a bordo até a temporada na America do Sul), muito solicita e com razoavel conhecimento do passado do navio, nos acompanhou até o terminal, aonde nos deu brochuras da temporada que começava e da temporada sul-americana.

Lá, na cidade onde também foi construído, serve como hotel, museu e
centro de convenções, para visualizar seu site, clique aqui. 

Eu voltaria a ver o Rembrandt mais umas duas ou tres vezes mas mais ao longe. Fiquei contente que a idéia de chama-lo Big Red Boat IV não tivesse ido adiante e que ele continuasse igual ao que tinha sido por tantos anos.


A Premier acabou, o Rembrandt foi vendido e rebatizado Rotterdam em 2004. Desde então uma saga de destinos e reformas se passou mas já há algum tempo o navio voltou para casa e é em Rotterdam que eu espero ve-lo. para desta vez passar umas noites a bordo do que é o mais interessante hotel da cidade. De momento o hotel ocupa somente algumas cabines e um dos bares. Em breve deve dar aos hóspedes acesso a alguns dos salões. Quando isto ocorrer, será tempo de revisitar esta lenda em forma de navio.

Para sua nova função, ganhou de volta suas cores originais de 1959. 

 

Texto (©) Copyright Daniel Capella e Sérgio Oliveira.
Imagens (©) Copyright Holland America Line, Rhoderik Jones, Silvio Roberto Smera, Edson Lucas, Emerson Franco Rocha (estas três últimas retiradas da coluna Recordar, do site Portogente), Premier Cruises e Cees de Bijl.
 
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