Q3: O Queen da Cunard nunca construído.

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Uma das mais detalhadas previsões do novo navio,
que aqui é bem semelhante ao Queen Elizabeth 2. 

Antes de lançar o Queen Elizabeth 2 em 1969, a Cunard planejou a construção de um outro navio que nunca foi realizada por motivos diversos. A curiosa história, que envolve até uma revolta de acionistas da empresa, está diretamente ligada ao advento da aviação comercial. Clique abaixo para continuar lendo. 

Queem Mary de 1936 em Long Beach, Califórnia. 

Em uma época já distante os navios de passageiro dominavam toda a indústria dos transportes intercontinentais, e eram a única opção para quem precisava chegar a um local que não podia ser atingido exclusivamente por parte terrestre. Nesta época, muitas empresas de vários países operavam linhas regulares entre os principais portos do mundo, e muitos navios se destacavam como emblemáticos, tradicionais, luxuosos ou mesmo queridos. Entre estes, podemos facilmente citar dois dos principais navios da Cunard Line em toda sua bi-centenária história, o Queen Mary e o Queen Elizabeth originais, que dominaram os mares ingleses entre os anos 30 e 50.

Os Queens originais serviram honrosamente seu proprietário com travessias atlânticas muito prestigiadas entre a Inglaterra e os Estados Unidos da América. No final dos anos 50 e início dos anos 60, no entanto, ambos já se encontravam de certa forma antiquados, e com mais de 30 anos de serviço, viam cada vez mais concorrentes melhores e até superiores em características e serviços. Com essa pensamento em mente, a Cunard começou a planejar os sucessores para seus mais famosos navios de até então; a idéia inicial, era construir dois novos navio gêmeos um pouco menores que seus predecessores, que utilizassem do tradicional sistema de classes e servissem para a carreira atlântica, com todas as características necessárias a isso.   
Queen Elizabeth original aproximando-se de Nova Iorque: no início da década de 60, viagens transatlânticas já não era muito lucrativas para as armadoras. 
Ambos possuiriam 75,000 toneladas, e seriam financiados pela própria Cunard e pelo governo britânico, através de um empréstimo concedido à empresa sob condições especiais de juros e prazo. Por conta disso, o governo local criou um comitê especializado em discutir o projeto, e posteriormente decidir se a Cunard Line deveria ou não ser contemplada com o financiamento estatal. Após algumas reuniões o comitê decidiu que o melhor seria construir apenas um navio, e que caso a Cunard aceitasse a sugestão, o empréstimo de 18 milhões de libras seria concedido para o projeto. 
O projeto porém, apesar de aprovado pelo governo e definido como de interesse nacional, ainda era visto com olhares desconfiados tanto pelo público em geral como internamente na Cunard. Era senso comum na época que as viagens transatlânticas haviam atingido seu ápice na década de 50, e que com o advento da aviação comercial, a tendência que já vinha sendo observada de forma real, era que esse tipo de viagem fosse preterido pelos viajantes que encontraram nos aviões uma forma mais rápida e até barata de viajar entre continentes e grandes distâncias. Construir um navio tradicional, idealizado para um tipo de viagem que tendia a diminuir significantemente, ou até mesmo desaparecer em não muito tempo não parecia o projeto mais inteligente a ser levado a cabo por qualquer empresa, não só a Cunard.
Ainda assim, o navio continuou a ser projetado pela companhia e ganhou um apelido; como seria provavelmente o terceiro a utilizar o nome de uma das rainhas inglesas, foi apelidado Q3. Nessa época, os planos preliminares começaram a se tornar reais: o novo navio herdaria muitas das características de seus dois predecessores, mais possuiria linhas mais modernas inspiradas em outros navios considerados modernos nessa época, como o Oriana de 1959 da P&O Orient Line, o France da French Line que também estava sendo projetado no início da década de 60 e principalmente o Rotterdam, da Holland America Line, entregue em também em 1959. Seis estaleiros foram convidados para apresentar seus projetos finais para o navio, e as condições que poderiam ser oferecidas por cada um deles para construção da embarcação que era grande para os padrões da época, com 75,000 toneladas e capacidade para 2270 passageiros.
Resultado final do projeto Q3, o Queen Elizabeth 2, aqui visto em Lisboa.
Internamente, porém, o projeto continuava mal visto. Prova disso, é que um dos acionistas da empresa na época resolveu organizar uma revolta contra a diretoria da Cunard para cancelar o projeto. Assim como parte dos diretores mais jovens da empresa, este acionista acreditava que um novo navio com as características do Q3 poderia arruinar financeiramente a Cunard, já que dificilmente seria capaz de gerar lucros para cobrir seu próprio valor de construção dada a decadência do mercado de transatlânticos, que se tornava cada vez mais evidente. Raymond Gregory, o acionista em questão era contra a construção do navio, ele propunha que o projeto fosse refeito, tendo em mente que o novo navio deveria também ser útil ao mercado de cruzeiros, que dava então seus primeiros passos. 
Parte dos executivos de baixo calão da empresa compartilhava essa visão com Raymond, entretanto, o conselho da armadora era então contra essa idéia, e se opunha a modificação do projeto proposta. Em julho de 1961, temendo perder todo o seu investimento na companhia e vendo-se nesta situação, o acionista resolveu escrever aos 20,000 outros acionistas da Cunard apresentando suas idéias e propondo então a revolta contra o conselho. Do total de contatados, cerca de 16% responderam ao apelo, a maior parte deles, 4227 apoiou Raymond, enquanto 297 também se manifestou, porém em apoio ao Q3. Como resultado da mobilização liderada por Gregory, a diretoria da Cunard se viu obrigada a realizar uma reunião extraordinária para definir o futuro do projeto e por conseqüência do projeto. 
Sir John Brocklebank, então maior autoridade dentro da empresa se reuniu com o conselho e com um grupo de acionista liderado por Gregory na sede da Cunard no porto de Liverpool para discutir o projeto. Durante a reunião, que durou horas a revelação: Sir John não havia, em momento algum sido informado oficialmente do ideário de Gregory e parte dos executivos; a equipe que cuidava do projeto não apresentou a proposta de mudança como os executivos e o acionista haviam proposto. Surpreendentemente, sir John simpatizava com a idéia de um navio com múltiplas propostas e aceitou congelar os planos e estudar melhor o projeto do navio. Mais tarde revelou-se que este na verdade poderia nunca ter realmente gostado dos planos da construção do navio, e que só teria continuado tocando o projeto por ter herdado-o da diretoria anterior e por pressão do conselho, já que ele mesmo chegou a se referir ao projeto depois de vários anos como um “desastre”.
Assim Brocklebank encontrou-se com Ernest Marples, ministro dos transportes inglês, para apresentar-lhe a atualização sobre a construção do Q3. Em seguida, um documento assinado por Raymond Gregory e John Brocklebanck foi enviado à imprensa informando da decisão da empresa. A partir daí, a equipe responsável pela construção do novo navio voltou a trabalhar no projeto. No entanto, foi decidido que o ideal era projetar um navio novo do zero, aproveitando algumas das idéias que seriam implantadas no Q3, mas que fosse fundamentalmente um navio flexível, que pudesse operar tanto na carreira do Atlântico como em cruzeiros ao redor do mundo. Concluiu-se que o navio, apelidado Q4 deveria ser menor que o proposto ao Q3, para que pudesse transitar o Canal do Panamá e também para cortar custos. 
Um dos croquis do projeto Q3, aqui um navio bem semelhante ao Rotterdam, da Holland America Line. Destaque para as duas chaminés finas, a primeira, maior, serve também de mastro para a embarcação. 
Outro consenso foi modificar o sistema de classes, que se tornaria passado não muito adiante com o lançamento dos primeiros navios de cruzeiro construídos para a Norwegian Cruise Line e a Royal Caribbean International, no final da década de 60. Muito porém do idealizado para o Q3 foi reaproveitado no projeto Q4, como o remanejo das áreas sociais e restaurantes, o formato final da chaminé elaborado com base na primeira feita para o Q3, assim como o design do maquinário e do casco e aerodinâmica são remanescentes do projeto anterior. O resultado final foi um navio de 57,000 toneladas e capacidade para cerca de 1,500 passageiros, que ficaria pronto em 1969, quatro anos após a data de conclusão prevista para o Q3. Enquanto o Q3 provavelmente teria se chamado Queen Mary 2, o Q4 foi batizado Queen Elizabeth 2, e provou ter sido a escolha ideal para a época. 
Rotterdam de 1959, aparente inspiração para o design do Q3.
Para ler mais sobre esse navio, clique aqui

Enquanto concorrentes construídos na mesma época como o já citado France da French Line e o United States da United States Line acabarão por serem os vilões de suas companhias tornando-se grandes responsáveis por suas falências e inutilizados com pouco tempo de serviço, o Queen Elizabeth 2 navegou quase ininterruptamente pelas quatro décadas seguintes, e foi um dos fatores que fizeram com que a Cunard chegasse aos dias de hoje. Mesmo porém, se tivesse continuado com o projeto e construído o Q3, a Cunard poderia ter alcançado o sucesso, como hoje é possível perceber analisando-se a situação do France, que após ser desativado pela French Line foi adquirido por Knut Kloster, e transformado em um mais famosos navios de cruzeiro tradicional de todos os tempo o SS Norway, ofuscado ao longo de sua carreira, talvez somente pelo próprio Queen Elizabeth 2.

Um Q3 transformado em navio de cruzeiro, porém, devido a sua própria origem, provavelmente não teria chegado aos dias atuais como é o caso do Queen Elizabeth 2 que atualmente está em doca-seca em Dubai sendo preparado para sua última viagem. Assim como o Queen Mary original, que desde 1967 é um hotel e museu em Long Beach, na Califórnia, EUA, o QE2, como também é conhecido, será imobilizado em um porto asiático ainda não definido para ser transformado em hotel e atração turística. 
Texto (©) Copyright Daniel Capella.
Imagens (©) Copyright The Queen Mary (Queen Mary), John Oxley Library (Queen Elizabeth), Ricardo Martins (Queen Elizabeth 2), Jim Stephen (Rotterdam) e de seus respectivos autores (restantes).
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