Navios por Dentro: Princess Danae

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Após a ausência no último mês, está de volta a série Navios por Dentro, de Rui Agostinho. O navio escolhido para o retorno triunfante é o Princess Danae, então operado pela Classic International Cruises, e que de forma semelhante, retornará em breve aos mares após um período imobilizado. Um os mais antigos navios em operação, o Danae operou em sua história pela Costa e chegou a fazer temporadas no Brasil pela BCR. 

Piano Bar

Com um casco construído em 1955, pelo mesmo estaleiro que cerca de 40 anos antes entregou o Titanic e os outros navios da classe Olympic, o Princess Danae é um navio único, de história única e curiosa, que já teve diversos capítulos diferentes. Tudo começa no início da década de 50, quando uma empresa de navegação comercial chamada Port Line encomendou dois cargueiros para seu serviço expresso. Essa empresa operava linhas entre o Reino Unido e a Austrália e era na época uma subsidiária da Cunard Line, transportando essencialmente carga entre a Oceania e Europa. Devido a distância entre os dois continentes e a vontade da empresa de ligar os dois pontos no menor tempo possível, a empresa decidiu que seus dois novos navios de carga deveriam ser rápidos, atingindo por volta das 20 nós. Além de rápidos, teriam também capacidade para 12 passageiros, com algumas áreas públicas destinadas a estes e também aos tripulantes.

O maior espaço a bordo, o salão de shows ou teatro.

Tecnicamente, as embarcações teriam seis compartimentos de carga, a maioria refrigerados para transporte de carnes e outros produtos perecíveis. Assim, duas encomendas foram feitas para dois estaleiros britânico diferentes, o famoso Harland & Wolf, de Belfast, muito conhecido por entregar alguns dos maiores e mais célebres navios de seu tempo, e ao não menos célebre Swan Hunter, em Newcastle, que mais tarde construiria outro famoso navio inglês, o Sagafjord, atual Saga Ruby. Nomeados Port Sydney e Port Melbourne, ambos foram finalizados em 1955. Por mais de 10 anos, até 1968, os gêmeos realizaram a rota para a qual foram idealizados pela Port Line com relativo sucesso. Nesse ano, porém, como uma forma de cortar custos e unificar suas operações a Port Line se fundiu com a Blue Star Line, criando a BluePort Line.

Área da piscina

A nova empresa pretendia focar no crescente nicho dos containers, que nessa época começavam a dominar o transporte de carga mundial. Assim, os navios passaram a ser administrados pela nova empresa, mas mudança foi apenas formal, já que a operação continuou inalterada até 1971. No começo da década de 70 foram retirados de serviço. A idéia inicial era adaptá-los ao transporte de carga e prepará-los para o futuro da navegação de carga. Eventualmente, porém, ambos foram vendidos em 1972 para a empresa grega JC Karras Company. Foi nesse momento que a conversão para os cruzeiros iniciou-se. O Port Melbourne foi renomeado Therissos Express, enquanto o Port Sidney passou a ser Akrotiri Express. Os gregos pretendiam transformar ambos em car ferries para ligar algumas das centenas de ilhas gregas espalhadas pelo Adriático. Esse plano também não foi levado a cabo; atenta ao crescimento do mercado de cruzeiros norte-americano, a JC Karras resolveu se aventurar nesta área.

Entrada da Promenade Externa
Área da piscina vista de um deck superior
O mastro principal

Ficou decidido que os já antigos gêmeos seriam transformados em navios de cruzeiro propriamente dito. Os trabalhos começaram em 1972; a reconstrução foi total, os navios chegaram a ser apenas cascos vazios com motores antes da construção da nova superestrutura que abrigaria as novas instalações. Com exceção dos motores, e do casco nada dos antigos cargueiros foi reaproveitado. Em 1975, o Therissos Express, agora nomeado Daphne entrou em serviço pela Delian Cruises, marca da Karras Company. No ano seguinte, foi a vez do Akrotiri Express entrar em serviço após a reconstrução, agora chamado Danae, iniciou cruzeiros também para a Delian Cruises em 1976. A empresa grega os operou por pouco tempo. Com cruzeiros longos e caros, focados em um nicho de mercado mais alto, ainda pouco desenvolvido na época, a Delian não conseguiu o sucesso desejado.

A piscina vazia neste dia

Assim, passou a oferecer os navios para fretamento à terceiros. É a partir daqui que a história dos gêmeos passa a se separar. Enquanto o Daphne foi fretado para a Lauro Line (empresa que mais tarde daria origem à MSC) já em 1978, o Danae só encontrou um interessado em 1979. Nesse ano, ambos foram fretados para a então Costa Armatori SpA. A companhia italiana era na época uma das grandes potências do mercado de cruzeiros, operando independentemente em diversos roteiros, e com uma frota menos numerosa que a atual. Aprovados pelos clientes da empresa, e nesse contexto, os navios foram comprados definitivamente em 1984. Foi navegando para a Costa que passaram a maior parte de suas carreiras e quando se tornaram conhecidos mundialmente. A fase italiana durou até o começo dos anos 1990; quando foram empregados em uma nova aposta da Costa, que criou uma joint-venture com a russa Sovcomflot.

O restaurante principal

A marca, Prestige Cruises, operaria quatro navios: dois da Costa, o Danae e o Daphne, e dois soviéticos, o Maxim Gorkiy (que navegou por último para a Phoenix Reisen) e o Fedor Dostejewski (atual Astor, da alemão TransOcean Tour). A joint-venture entre a empresa russa e a Costa era resultado de uma visita do então presidente da URSS Mickail Gorbachev à Itália em 1989, já parte da política de abertura econômica que culminaria com a queda dos soviéticos alguns anos depois. A empresa iria oferecer cruzeiros que teriam, segundo declaração da companhia na época “padrões muito altos” e aconteceriam na Europa, no Báltico Soviético e no Mar Negro. O primeiro navio, no final de 1990, transferido foi justamente o Danae, que então operava no Mediterrâneo e Extremo Oriente. O Daphne passaria para a frota da Prestige em 1992. Porém as mudanças políticas na URSS fizeram com que a companhia tivesse um fim prematuro.

Elementos decorativos no restaurante principal
Casino

Em 1992 a empresa foi encerrada, e os gêmeos Danae e Daphne colocados a venda. Neste ponto a história dos dois se divide definitivamente, para só voltar a se encontrar em 2008. Após algum tempo imobilizado, o Danae deixou a Costa em 1994 após um incêndio em que o navio foi declarado perda total. Os destroços foram vendidos para uma empresa grega chamada Harbor Maritime, que o renomeou Anar e iniciou a reformá-lo. Nessa época foi vendido diversas vezes, logo em seguida teve seu nome mudado para Starlight Princess, e mais tarde para Baltica, tendo aparentemente operado mesmo somente com este último. Realizou cruzeiros no Báltico com este nome até o início de 1995, quando foi adquirido pela Arcalia Shipping, uma das diversas empresas do grego George Potamianos. Renomeado Princess Danae em fevereiro de 1996, passou a operar pela Classic International Cruises, outra das empresas de Potamianos, ao lado do Funchal, então único navio da companhia.

Banheiro da cabine

De 2000 a 2004, chegou a ser fretado pela BCR para algumas temporadas brasileiras. Ao lado do Funchal, ofereceu cruzeiros no nordeste e sudeste neste período. As viagens eram vendidas pela companhia com o diferencial de possuírem tripulação “que fala português” e de serem uma escapatória para as “marés dos dólares”. Em sua temporada inaugural, 2000/2001, fez oito cruzeiros que variavam entre 3 e 10 noites, e tinham como destino o Prata e o Nordeste, com embarque em Santos e Fortaleza (posicional). Iniciada em dezembro, e terminada em março, a temporada levou o navio a locais que hoje não são visitados regularmente pelos cruzeiros como Fernando de Noronha, Porto Seguro e Vitória. Em 2008 a Classic International adquiriu também o Daphne, que após algum tempo navegando como Ocean Monarch, foi nomeado Princess Daphne em 2009, juntando-se assim mais uma vez a seu gêmeo.

Penteadeira de uma das cabines
Cabine dupla
Área da recepção

Navegou pela Classic International Cruises (CIC) até o final de 2012, fazendo temporadas para o público francês, australiano, inglês e português, além de diversos fretamentos. Foi em um dos cruzeiros destinados ao público francês que as fotos deste artigo foram feitas, em um mini de três noites com embarque em Lisboa e destino ao Marrocos em 2006. Em setembro de 2012, pouco depois da morte de Potamianos, foi arrestado em Marselha junto ao Athena, outro navio da companhia, por pendências financeiras da CIC. Logo depois a companhia portuguesa faliu, e sua frota foi levada a leilão. Esperava-se que a maior parte dos navios fosse vendida para a sucata devido a idade avançada das embarcações, e ao mercado de vendas de navio passar por uma época difícil. Surpreendentemente, porém, o Princess Danae, assim como boa parte da frota da CIC, foi adquirido por uma nova companhia de cruzeiros portuguesa. A única exceção foi o Princess Daphne, que continua até hoje propriedade da família Potamianos, apesar de continuar imobilizado.

Após o leilão em março, o Danae chegou a Lisboa em abril, e a partir daí começou sua transformação. A nova companhia portuguesa foi aos poucos revelando seus planos. O primeiro anúncio foi de que o navio passaria a se chamar Lisboa, combinando com o restante da frota que também teve os nomes alterados para regiões portuguesas. Assim como os outros navios da Portuscale, o Lisboa deverá passar agora por uma grande revitalização para voltar a navegar, o projeto inclui a revisão de toda a parte técnica e a reconstrução dos interiores. Os planos iniciais eram operá-lo no mercado francês, com diversos cruzeiros no Mediterrâneo e Norte da Europa. Porém, tiveram que ser abandonados quando a companhia concluiu que o navio precisa de mais tempo em doca do que o inicialmente previsto. Essa constatação foi feita no começo deste ano, enquanto o interior do navio era reconstruído, e a parte técnica era revista em doca-seca.

Logotipo da Classic International Cruises
Atracado em Lisboa há alguns anos
No ano passado aguardando a entrada em estaleiro. 

A Portuscale detectou problemas não declarados no relatório do estado do navio na época da compra, e agora avalia que direção tomar em relação ao Lisboa. Até o momento, uma decisão não parece ter sido tomada, apesar de apostarmos no término da reforma e torcermos pelo sucesso da empreitada de Rui Alegre, empresário português por trás da nova companhia. Durante algum tempo, especulou-se que alguns dos navios da Portuscale poderiam vir ao Brasil em 2014/2015, já que a companhia nos informou em agosto que estava em negociações com um operador brasileiro para fretar seus navios. O Lisboa possui capacidade para 640 passageiros e aproximadamente 16,500 toneladas. Possui 162 metros de comprimento por 21 de largura. Nessa mesma época, chegou começou a ganhar as cores da Portuscale: casco preto e chaminé amarela. Entretanto, a obra foi paralisada para que uma investigação mais minuciosa sobre o estado do navio fosse feita.

Deixando a doca seca com o casco preto e já como Lisboa.
  Texto (©) Copyright Daniel Capella.
Imagens (©) Copyright Rui Minas Agostinho.
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