Governo do Rio Grande do Norte se defende e propõe paliativo para Divina em Natal.

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Ponte Newton Navarro, a origem do problema com o Divina.

Após a divulgação de que o novo terminal de cruzeiros de Natal não tem capacidade para receber o MSC Divina durante a Copa do Mundo, autoridades regionais convocaram uma entrevista coletiva para se defender. Em um texto questionável, que reproduzimos a seguir na íntegra, a diretoria da Codern cita exemplos questionáveis, e defende que o navio vá a Natal e fique fundeado na entrada do porto para transporte dos passageiros por tender. 

MSC Divina

A Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern) convocou entrevista coletiva na tarde do dia 15 de Abril para explicar a polêmica relacionada à capacidade do Terminal Marítimo de Passageiros (TMP) e da possível vinda a Natal de um navio da MSC Cruzeiros com 3,2 mil passageiros do México, para assistir aos jogos da Copa do Mundo na capital potiguar. Para entender o problema relacionado ao terminal de Natal, clique aqui. Com claro propósito de se defender, o governo nordestino propõe uma forma alternativa de levar os passageiros do navio à terra, sem utilização de seu berço de atracação recém construído. A seguir, o release do governo, com trechos em vermelho, que não condizem com a realidade, ou são questionáveis, e serão comentados logo a seguir.

Nos últimos dias, informações deram conta de que o Porto de Natal não mais receberia o navio mexicano e que os torcedores viriam de Recife em 80 ônibus, para assistirem aos jogos em Natal. O presidente da Codern garantiu que as negociações junto à MSC ainda estão em andamento, o que descarta a informação de que o Porto de Natal já havia perdido o navio com os turistas mexicanos. “Esses boatos estão gerando informações que não são verdadeiras. Nós estamos em contato com a empresa e eles estão decidindo se aceitam ou não o que nós sugerimos”, disse o diretor da Codern. 

A solução encontrada pela Companhia Docas seria ancorar o navio em uma área de fundeio, que fica localizada a 2,5 milhas da costa e realizar o traslado dos passageiros por meio de embarcações do próprio navio, prática comum em Búzios, Ilha Bela, Florianópolis e Veneza e até na Ilha de Fernando de Noronha, por exemplo. Existem áreas que não possuem portos nem terminais, o que obriga que os navios cruzeiros fiquem ancorados em áreas de fundeio e realizem o traslado dos passageiros por meio de embarcações menores dos próprios navios. 

O presidente da Companhia Docas criticou a polêmica que está sendo levantada em relação ao assunto, já que, segundo ele, não há dificuldade por parte do Porto em fazer essa operação, que é a solução mais viável e segura para os passageiros. “Essa é uma prática feita no mundo inteiro sem riscos para os passageiros e tripulantes do navio. Agora, o risco é você fretar 80 ônibus para trazer esses turistas de Recife a Natal. Estão condenando a solução mais viável”, defende Pedro Terceiro. 

De acordo com informações da Marinha do Brasil reproduzidas pelo presidente da Codern, a operação que será realizada, caso o navio com os turistas mexicanos venha para Natal, durará em média 15 minutos por viagem, do navio ao Terminal Marítimo de Passageiros. O navio do México possui seis embarcações com capacidade para 700 passageiros cada uma

O consultor da Agência Porto, Fabrizio Pierdomenico, ressaltou a fala de Pedro Terceiro e disse não entender o motivo da polêmica, já que a solução encontrada pela Companhia é uma prática que se faz constantemente em outros portos. “Está se criando uma polêmica em cima de uma prática que já se faz há muito tempo. Não há nenhum problema em o navio ficar fundeado e as pessoas serem trasladadas”, ressaltou o consultor. Ele exemplificou o caso dos navios que partem de Santos para Florianópolis. Segundo ele, esses navios não atracam, mas ficam fundeados a uma distância da costa. “Isso é absolutamente comum e todo mundo faz isso. O que está se criando é uma falsa polêmica”, reitera Fabrizio. 

O consultor defendeu ainda que a prática de fundeio do navio cruzeiro seja feita em Natal, o que ele considera viável, acrescentando que as críticas a respeito do assunto deveriam ser direcionadas a quem construiu a ponte, e não ao Porto de Natal. “Se o navio tem um calado aéreo grande e a ponte tem um calado aéreo pequeno, quem sofre com as consequências é o Porto de Natal. A culpa disso não é do Porto. Quem deveria responder sobre isso era quem mandou fazer essa ponte”, afirma. 

O diretor Técnico-Comercial da Codern, Hanna Safieh pediu para que sejam divulgadas informações corretas a respeito do assunto, para que o Porto de Natal não seja prejudicado por informações inverídicas. “Contamos com vocês para corrigir esse erro grave. Estão tentando colocar problema onde não existe. Será que é mais rápido e seguro sair de um comboio de Recife, ou descer em lanchas a duas milhas do Terminal, com conforto, segurança e agilidade?”, questionou. 

O presidente da Codern reiterou o esforço da Codern em trazer para Natal o navio do México e falou sobre a importância desse acontecimento para o Porto. “Se nós conseguirmos trazer esse navio será uma quebra de paradigma que será feita, para que não fiquem pensando que o Porto não tem capacidade de realizar essa operação e que nenhum navio passa por de baixo da ponte”, declarou o diretor-presidente Pedro Terceiro. 
Opinião do Portal
Os entrevistados pelo Governo do Rio Grande do Norte nesta matéria, publicada originalmente como press release no site oficial do governo, demonstram falta de conhecimento da área, citando diversas informações errôneas, utilizando-as de forma a tentar justificar a situação. A equipe da Codern também demonstra desconhecer o caso à fundo, ao citar negociações com a MSC Crociere para a operação de fundeio, dizendo que uma decisão final ainda não foi tomada pela companhia italiana. Entretanto, os responsáveis pelo navio, que decidiram há algumas semanas os seus roteiros definitivos, são os mexicanos da Mundomex, que em parceria com a brasileira Match Connections, planejaram e divulgaram a programação final do navio recentemente (clique aqui para ver). A MSC fretou o navio para este período, e foi responsável apenas por planejar os posicionais entre os EUA e Brasil, e do Brasil aos EUA. 
Vista parcial do Porto de Veneza com quatro navios de
cruzeiro e um ferry. Todos atracados no VTP.  
No texto original, postado na íntegra a cima, o diretor-presidente da Codern Pedro Terceiro, e o consultor da Agência do Porto Fabrizio Pierdomenico, utilizam de exemplos equívocos (ressaltados em vermelho), ao citar por exemplo, que o desembarque de passageiros no Porto de Veneza é feito via tenders. O Venice Terminal Passagierri (VTP), é um dos maiores terminais de cruzeiros da Europa, e realiza inclusive embarque e desembarque de passageiros em cabotagem para diversos cruzeiros pelo Adriático, com capacidade para atracar até 7 navios de grande porte simultaneamente e nas dependências do VTP. Ainda existem berços adicionais para navios em trânsito de menor porte, mais próximos ao centro da cidade dos canais. Durante a temporada 2014, alguns dos maiores navios do mundo utilizarão o terminal para embarque e desembarque de passageiros, incluindo o MSC Preziosa, que foi o maior navio da última temporada brasileira, e é gêmeo do MSC Divina. 
Outra informação totalmente fora da realidade, é a capacidade de passageiros de cada tender citada no release. O Governo do Rio Grande do Norte afirma que cada barco salva-vidas do Divina tem a absurda capacidade para 700 passageiros, e que estão disponíveis no navio seis embarcações deste tipo. Em um cálculo rápido, concluí-se que a capacidade total de passageiros transportados pelos tenders, no caso de estes possuírem realmente capacidade para essa quantidade de hóspedes, chegaria a 4,200 passageiros simultaneamente. Este número, excede a capacidade do navio, que transporte cerca de 3,950 hóspedes em capacidade máxima, e além dos tenders, ainda possuí outros 24 botes salva-vida de tamanho semelhante aos tenders, mas que são utilizados apenas em caso de emergência. Na realidade, cada tender possui, em geral, capacidade para transportar entre 100 e 150 passageiros apenas, e cada navio possuí, dependendo de suas especificações técnicas, de quatro a oito embarcações do tipo. Existem também os casos de navios que não possuem os tenders, e transportam apenas os botes salva-vida. O Divina, entretanto, os possui na quantidade citada pela Codern, entretanto, não é exceção à regra, e pode transportar apenas cerca de 900 passageiros simultaneamente utilizando-se de todos estes tenders.

Um típico tender com capacidade para cerca de 100 pessoas.

Nesse mesmo parágrafo o governo afirma que o trajeto entre o navio e o porto duraria apenas 15 minutos, já que o navio estaria fundeado somente a 2 milhas do terminal. Entretanto, a informação é divergente. A Folha de São Paulo, por exemplo, afirmou que o trajeto entre o navio e o terminal levaria na realidade 3 horas. É difícil fazer uma estimativa real, já que desconhecemos os pontos de fundeio em Natal, e também as condições de mar nesta área. Hanna Safieh, diretor técnico-comercial do órgão diz que a operação é confortável, segura e ágil, porém, novamente, há quem discorde. Em contato com o G1, a Capitânia dos Portos colocou alguns empecilhos, o capitão dos portos, Alexander Neves de Assumpção explicou que o embarque e desembarque dos passageiros ficaria restrito a horários específicos. “Devem ser feitos preferencialmente pela manhã, pois o vento durante a tarde e a condição do mar podem estar desfavoráveis”, conta.

O responsável pela Capitânia acrescenta que a Codern precisaria colocar flutuantes para receber com segurança os passageiros que chegaram ao cais do Porto de Natal. “Por último, em função das restrições de entrada do canal e o desconhecimento da água por parte dos oficiais do navio, exigimos que o translado seja acompanhado por uma lancha da Associação de Praticagem, que fará o auxílio”, conclui. Mesmo com o cumprimento das exigências, o comandante Alexander afirma que a operação pode ser interrompida caso a situação seja avaliada como perigosa na ocasião.

Island Escape, último navio a escalar Florianópolis. 

O texto ainda erra ao utilizar o exemplo de Florianópolis em duas ocasiões. De acordo com pesquisa realizada por nós, Florianópolis não recebe escalas de navios de cruzeiro desde a temporada 2008/2009, quando o popular Island Escape fez escala na capital catarinense durante um mini-cruzeiro em março. Desde então a cidade sumiu do mapa dos navios, justamente devido aos problemas operacionais causados pela ausência de um berço de atração. Até 2008/2009, CVC e Island Cruises eram as principais frequentadoras da cidade; a primeira deixou de escalar a cidade após o Mistral ter precisado deixar a cidade antes da hora e passageiros em terra devido à uma tempestade, enquanto a Island despediu-se do Brasil nesta temporada.

Como presidente da Abremar, em 2011, Ricardo Abremar, da Royal Caribbean, chegou a comentar o estado da cidade como escala de cruzeiros. Como publicamos na época, o executivo demonstrou insatisfação com a situação da cidade, que possui um atracadouro inadequado mesmo para os tenders. Para ler a matéria da época, clique aqui.

O consultor da Codern, Fabrizio Pierdomenico, ainda afirmou que os problemas com o terminal não são responsabilidade do órgão para o qual trabalha, apesar de pouco antes ter afirmado que trata-se de uma polêmica infundada já que a prática do transporte por tenders é comum em todo o mundo. Apesar de considerar comum este tipo de operação, Fabrizio jogou a responsabilidade para a o governo do Rio Grande do Norte, que construiu a Ponte Newton Navarro com um calado aéreo pequeno. O consultor, dessa forma, quis isentar a Codern, que apesar de nada ter com a ponte, planejou a localização do novo terminal de cruzeiros, e foi a responsável por todo o planejamento da instalação, realizada com um investimento do Governo Federal.

Texto (©) Copyright Codern e Daniel Capella. 
Imagens (©) Copyright Alexandre R. Costa, MSC, VTP e Daniel Capella.
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4 Comentários

  1. Concordo totalmente com a posição do blog, como já havíamos conversado anteriormente. Eu fui, como turista, uma das 'vítimas' do mar agitado de Florianópolis e o Mistral nos deixou em terra e foi para Itajaí. A CVC teve de fretar um monte de ônibus o que acarretou atrasos. Achei a atitude certa pois a passagem do tender pro navio no mar do sul acarreta em riscos para nós mesmos.

    E volto a repetir: ninguém, nenhum órgão está pensando no turista/passageiro que tem mobilidade reduzida. Eles acham que turista tem que conseguir pular do navio pro tender e do tender pra terra firme. Turista idoso/cadeirante não pode descer. E as cidades daqui do país entra ano e sai ano e não pensam em fazer um berço de atracação. Não é mais lamentável é ridículo.

  2. O Governo devia ficar com boca calada pra nao passar vergonha e falar coisas que nao tem NADA a ver e aceitar a forma mais normal. Agora eles querem complicar colocando em risco os passageiros.
    Davi

  3. Uma operacao de tender em Natal acho muito arriscada, pricipalmente pelo vento e tb acho que a area de ancoragem e bem restrita p/ um navio desse tamanho. Sem falar que o canal de entrada do porto e estreito, com pouco de vento faria o capitao nao atracar ou ancorar.

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