Navios por Dentro: Funchal – 1

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Pouco antes de ter seus interiores registrados, ainda sem o último logo da Classic International Cruises. 

Após período ausente, está de volta ao Portal WorldCruises.com a série Navios por Dentro, de Rui Agostinho. Para esta volta, o navio escolhido foi o tradicional português Funchal, que recentemente voltou a navegar após anos desativado, e é atualmente um dos mais antigos navios em operação. Este navio será apresentado em dois capítulos da série, neste primeiro, veremos o navio em sua fase pré-reforma, enquanto ainda operava para a Classic International Cruises. Na segunda, seus interiores atuais, criados pela Portuscale em profunda reforma interna.

Tradicional e famoso em várias partes do mundo, o Funchal é hoje um dos navios de cruzeiro mais antigos ainda em operação. Inaugurada ainda na década de 60, a embarcação portuguesa ainda tem outro diferencial, que ao longo de sua carreira contribui para a construção de sua fama: é uma das únicas a ostentar seu nome original por tanto tempo. Desde a construção, terminada em 1961 o navio se chama Funchal. Poucos outros navios possuem este diferencial, um deles é o Queen Elizabeth 2, que, entretanto, foi inaugurado apenas em 1969. Além desta semelhança, o navio português e o inglês compartilham outra glória, terem sido o orgulho da marinha mercante de seus países. O Funchal possui este “título” até hoje, e é o único navio de passageiro português ainda existente. Sua história começa no final da década de 50, quando a Empresa Insulana de Navegação (EIN), começou a planejar um novo navio para a carreira da Madeira e Açores. A EIN era então, a mais antiga e uma das maiores companhias de navegação portuguesa, realizando principalmente a ligação marítima entre Lisboa e os dois arquipélagos portugueses, o da Madeira e o dos Açores.
Apesar de toda a sua história ser portuguesa, e das esperanças de que um estaleiro português o construísse, o Funchal foi construído no Norte Europeu pelo estaleiro dinamarquês Helsingør Skipsværft  og Maskinbyggeri (Elsinore Estaleiro e Maquinário). O estaleiro escolhido pela EIN vinha construindo navios de passageiros, principalmente ferries, há vários anos e ofereceu a melhor proposta, com um preço próximo de £2 milhões. Foi projetado pelo arquiteto naval português Rogério de Oliveira, que projetou outros navios portugueses da época, como o Príncipe Perfeito, e desenvolveu o projeto preliminar junto ao armador Vasco Bensaúde. A quilha foi colocada em julho de 1960, e o navio lançado em 10 de fevereiro de 1961. 
Em outubro deste mesmo ano foi entregue para a Insulana, e logo começou a navegar como flagship da companhia. Naquele mesmo ano, as três principais companhias de navegação portuguesas inauguraram navios; enquanto a Insulana recebia o Funchal, a Nacional inaugurou o Principe Perfeito e a Colonial estreou o Infante Dom Henrique. O Funchal era o menor dos três, com apenas 9,824 toneladas e capacidade para 500 passageiros, divididos em três diferentes classes: primeira, turística A e turística B. Originalmente haviam três conjuntos de áreas públicas separadas e exclusivas para suas respectivas classes. As acomodações da primeira classe eram as mais luxuosas, e incluíam até mesmo uma sala de jantar exclusiva para crianças, com mobília feita especialmente para atender os menores. Havia ar condicionado em todas as áreas, e o Cigar Bar da primeira classe tinha a particularidade de possuir um sistema de resfriamento chamado Calsorption, projetado com base na teoria de dois médicos dinamarqueses sobre a forma como o corpo humano elimina calor.  
Partiu de Lisboa em viagem inaugural em 4 de novembro de 1961 para a Ilha da Madeira e São Miguel, nos Açores. Sua rota regular passou a incluir também escalas em St. Cruz de Tenerife, nas Ilhas Canárias, alguns meses depois. Boa parte dos passageiros nestas viagens eram turistas que se hospedavam nos inúmeros hotéis da cidade de Funchal, entretanto, em 1969 eles eram maioria a bordo, quando realizou dois cruzeiros desde Southampton, Inglaterra, para as ilhas atlânticas no final do ano. Pouco depois, iniciou uma das fases mais célebres de sua carreira, quando transportou os restos mortais de D. Pedro I de Portugal para o Brasil. 
Em 1972, o Funchal foi utilizado como yatch presidencial pelo então presidente português Américo Tomás. Para esta ocasião o casco do navio foi pintado de azul para que assemelhasse-se ao yatch da rainha da Inglaterra, e uma piscina foi instalada em um dos decks abertos. Em viagens oficiais, o presidente visitou Guiné, a Ilha da Madeira, os Açores, e o Brasil, sendo transportado pelo Funchal. A visita de América ao Brasil fez parte da comemoração de 150 anos da independência da ex-colônia portuguesa. A bordo, foram trazidos, para o Rio de Janeiro, os restos mortais de D. Pedro I, que estavam em um panteão português, já que o primeiro imperador brasileiro também foi rei em Portugal, onde é conhecido como Pedro IV. O destino final de sua ossada foi o Museu do Ipiranga, próximo ao riacho do Ipiranga, onde declarou a Independência nacional. 
A viagem ao Brasil foi cercada de expectativa já que 50 anos antes, outro navio português foi convocado para levar o presidente português ao Rio de Janeiro para a comemoração do 100º aniversário da Independência. Entretanto, o navio escolhido teve avaria, e só chegou ao Rio vários dias depois de as comemorações terem sido encerradas. Dessa forma, atenção especial foi dada a parte mecânica e técnica do Funchal para que vexame semelhante não se repetisse, e de fato, o navio chegou a tempo ao Brasil, apesar de ter tido alguns problemas com suas turbinas no caminho. Assim que retornou da América do Sul, o Funchal realizou apenas alguns cruzeiros com base em Lisboa, antes de entrar em estaleiro para passar por uma das maiores alterações de sua carreira. 
Ainda em 1972 foi enviado para estaleiro em Amsterdam, para passar por uma grande reforma. Apenas 11 anos após sua entrada em operação, o Funchal teve seus motores à vapor substituídos por modernos e econômicos motores à diesel, que evitariam a repetição dos problemas mecânicos (decorrentes de falta de manutenção nas turbinas) que o navio vinham enfrentando desde 1966. Além disso, nesta reforma o interior foi remodelado de forma significativa, adaptando-o para se tornar um navio de cruzeiro em definitivo. Externamente, a principal mudança foi a pintura do casco, que até então havia sido preto e azul escuro, e passou a ostentar agora tinta branca. A decisão de transformar o Funchal em um navio de cruzeiro foi natural devido ao advento das viagens aéreas, que se tornavam cada vez mais populares e acessíveis no começo da década de 70. 
Todo o trabalho no navio durou cerca de 8 meses, e foi terminado em junho de 1973, quando o navio partiu do estaleiro para uma série de cruzeiros a partir de Dover, na Inglaterra e Zebrugge, na Bélgica. Em dezembro deste ano, o Funchal partiu para sua primeira temporada brasileira, realizando cruzeiros para o público nacional por toda a costa leste da América do Sul. Nesta época, diferentemente de grande parte das companhias de navegação contemporâneas, a Empresa Insulana de Navegação vivia grande fase, expandindo sua frota. Entretanto, por pretensão do governo português, acabou se fundindo em 1974 com a Companhia de Navegação Colonial, dando origem à CPTM – Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos. A segunda parte da história do navio – seus anos pela CPTM e CIC/Great Warwick Inc. – serão contados na segunda parte desta matéria, que será publicada ainda este mês. Nesta parte, as fotos foram feitas por Rui Minas Agostinho, em 1999, dos interiores do navio enquanto realizava um cruzeiro voltado ao mercado português pela Classica International Cruises (CIC). Na segunda parte apresentaremos os interiores atuais do navio, reconstruído internamente antes de entrar em operação pela Portuscale Cruises, seu atual operador. 
  Texto (©) Copyright Daniel Capella (com informações de Blog Paquete Funchal, de Luis Miguel Correia e Some Notable Smaller Vessels, de Anthony Cooke).
Imagens (©) Copyright Rui Minas Agostinho.
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8 Comentários

  1. "a Empresa Insulana de Navegação enfrentava dificuldades financeiras, como grande parte das companhias de navegação da época, e acabou se fundindo em 1974 com a Companhia de Navegação Colonial" : – disparate completo, nada disso a Empresa Insulana não só não enfrentava dificuldades económicas na altura, como, ao contrário, vivia uma fase de grande expansão da frota, em dois anos, de 1971 a 1973 foram comprados 21 navios para a empresa e reconstruído o FUNCHAL. A associada SOFAMAR comprou na mesma altura três graneleiros, a havia planos para continuar a expansão da frota. Dinheiro não faltava. A fusão com a CCN efectuada a 4 de Fevereiro de 1974 deveu-se à pressão do Governo Português, que decidiu a criação de empresas mais fortes….

  2. "Apenas 11 anos após sua entrada em operação, o Funchal teve seus motores à vapor substituídos por modernos e econômicos motores à diesel, que evitariam a repetição dos problemas mecânicos que o navio vinham enfrentando desde 1969" – O "problema mecânico" do FUNCHAL foi exactamente a degradação das tubagens das caldeiras por falta de manutenção. Em 1972 repetiu-se a mesma avaria de 1966 e assim as caldeiras e turbinas foram substituídas por dois motores diesel, de manutenção mais simples, mas não foi o fim dos problemas com as máquinas do FUNCHAL, pois nos anos CTM foram recorrentes as avarias, só ultrapassadas após 1985, com uma manutenção mais cuidadosa.

  3. Olá Luis,

    Essa é a informação que consta no livro de Antonhy Cooke que foi uma de minhas fontes para a matéria. Seria uma situação condizente com a situação das companhias de transporte marítimo dessa época, que, como sabes, enfrentavam a concorrência aérea, e tinham de se reinventar.

    Por outro lado, após a sua colocação, acredito que o investimento no Funchal na reconstrução de alguns anos antes, considerando uma empresa realmente sem dinheiro, também não seria condizente. E sabemos quem é o especialista na história do paquete, portanto agradeço pela ajuda, e irei realizar a correção necessária. Qualquer coisa mais, é só comentar.

    Abraço,

  4. Daniel, relativamente ao FUNCHAL, o que escrevo e digo foi observado ou vivido directamente por mim. Sou amigo do Tony Cooke há muitos anos e tenho a maior consideração por ele, conheço esse texto relativo ao FUNCHAL, foi um comentário pessoal com o qual não concordo…
    Quando fizeres mais algum texto sobre o FUNCHAL, se quiseres envia-me primeiro que eu leio e comento, sem qualquer intenção de te censurar, mas terei o maior gosto em partilhar conhecimentos.

    Abraço

    LMC – m.s.funchal@gmail.com

  5. Viajei no Funchal, aqui no Brasil em 76 ou 77. Lembro das cabines, que eram de lambris e muito charmosas. Algumas com beliches fixos. Diversão à bordo e, como eram poucos passageiros, socialmente era excelente.

  6. Fui apresentador, animador e diretor artístico no Funchal, ainda era o saudoso comandante Caieiro Rico……..tenho muita saudade desse navio, das brincadeiras que eu fazia com os passageiros, e da equipe da Abreutur……..

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