O curioso caso do Lyubov Orlova

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Um navio soviético, diminuto e antigo, que tinha tudo para ser rapidamente esquecido e viver apenas na memória daqueles que viajaram ou trabalharam nele. Esse é o Lyubov Orlova, o pequeno navio da Far Eastern Shipping Co. de Murmansk. Registrado em Vladivostok, na Rússia, foi projetado para navegar principalmente em curtas rotas internacionais e em regiões polares.

Entrou em operação no longínquo 1976, e encerrou sua longa carreira comercial no começo dos anos 2010. No entanto, contrariando qualquer expectativa, acabou se tornando famoso por um motivo que ninguém iria imaginar. Em meio a uma tempestade de controvérsia, o Lyubov terminou literalmente à deriva, à mercê da própria sorte.

Em mau estado de conversação, o navio russo estava desativado desde 2010, atracado em St. John, na Terra Nova, no Canadá. Necessitando reparos e com pouco mercado, acabou vendido como sucata para a Neptune International Shipping Inc, de Tortola, ilhas Virgens Britânicas em 2012, por apenas US $ 275.000.

O plano da empresa era desmontar o navio para reaproveitar o metal e outros materiais utilizado em sua estrutura. Com 4.251 tonelada de arqueação bruta o Lyubov Orlova deveria ter deixado o Canadá ainda em 2012, rumo a um estaleiro de desmanche. Um pequeno incêndio a bordo, no entanto, supostamente atrasou a última viagem que foi adiada para 2013.

Lyubov Orlova deixa o porto de St. John rebocado

Em janeiro do ano seguinte, o navio finalmente deixou St. John, sem tripulantes a bordo. À reboque, a embarcação tinha como destino à República Dominicana, onde seria desmontada. Após um dia de navegação rumo ao sul, o navio e seu rebocador encontraram mares revoltos. O cabo de reboque acabou se soltando, e o Lyubov foi deixado à deriva ao largo da Terra Nova, após tentativas de recuperação do navio se mostrarem infrutíferas e perigosas.

Dessa forma, o rebocador retornou ao continente sem o navio, deixando o completamente livre e solto no inverno do Atlântico Norte. Como o incidente ocorreu em águas internacionais, o governo canadense resolveu não intervir e responsabilizou exclusivamente o proprietário pela embarcação abandonada.

No entanto, já no final de janeiro, o Lybov Orlova começou a ser visto – à deriva – próximo a plataformas de petróleo offshore. Agora considerado ameaça potencial pelo governo canadense, acabou sendo resgatado. Os canadenses designaram o rebocador Atlantic Hawk para recuperá-lo e leva-lo novamente para segurança.

A operação foi bem sucedida, mas teve um fim surpreendente: o governo canadense resolveu mais uma vez deixar o navio à deriva no Atlântico Norte. Cinco dias após ser recuperado, e distante das águas canadenses o navio foi mais uma vez solto por seu rebocador, e deixado à sua própria sorte. O governo do país norte-americano declarou: “O Lyubov Orlova já não representa uma ameaça para a segurança das instalações de petróleo offshore, para o seu pessoal ou para o ambiente marinho”.

E ainda justificou: “O navio se afastou em águas internacionais e dado os padrões atuais e os ventos predominantes, é muito improvável que o navio volte a entrar em águas sob jurisdição canadense”.

Os canadenses ainda citaram preocupações com a segurança nacional como motivo para não trazer o navio de volta a suas águas. Nos bastidores, era clara a má vontade do governo em ter o navio problema de novo em seus portos. Soltando-o nas águas internacionais Atlântico, o governo canadense transformou a embarcação em problema do país para o qual a maré e os ventos empurrassem primeiro.

Navio vinha operando cruzeiros de expedição

O Lyubov Orlova foi visto pela última vez a cerca de 250 milhas náuticas à leste de St. John, outras 50 milhas náuticas do mar territorial canadense. O navio ainda foi monitorado por um tempo, para garantir sua não influência nas rotas de transporte internacional da região, mas não foi resgatado por nenhum governo ou empresa.

Em vez disso, simplesmente sumiu, sem que haja confirmação de seu destino final. Hoje, quase cinco anos depois, estima-se que tenha afundado ao se chocar com rochas em alguma região remota, ou que esteja encalhado no Ártico. Volta e meia a história do navio volta à internet, normalmente em tom sensacionalista. Sites britânicos, por exemplo, passaram a contar como o navio estaria “cheio de ratos canibais, que sobrevivem comendo os mais fracos de sua espécie que estão a bordo”.

Tudo, obviamente, não passa de especulação. Diversas vezes especulou-se também que o navio estaria para surgir no horizonte de países da região, baseando-se em sinais de maré e satélite. O navio simplesmente não foi mais visto.

Nome homenageava famosa atriz soviética

Com 100 metros de comprimento e 16 de largura, o Lyubov Orlova foi construído na Iugoslávia, no começo dos anos 70. Era parte de uma grande classe de oito navios soviéticos, construídos para transporte interno.

A atriz Lyubov Orlova

Com a decadência da URSS, alguns destes navios acabaram operando no Ocidente; o Lyubov foi um deles. Convertido em navio de cruzeiros de expedição, tinha capacidade para cerca de 100 passageiros, e navegava principalmente nas regiões polares. Desde 1996, vinha sendo operado em sistema de frete por diversos operadores ocidentais, incluindo a Cruise North Expeditions.

A empresa foi a última a operar a embarcação. Enquanto o utilizava no ártico canadense, a Cruise North viu a empresa russa, que ainda era sua proprietária, declarar falência. Assim, o Lyubov Orlova foi arrestado para pagamento de dívidas, pelas autoridades canadenses.

Três navios dessa classe ainda existem. O Klavdiya Yelanskaya segue operando na Rússia, enquanto o Sea Adventurer encontra-se no Ocidente. O ex-Alla Tarasova) seguiu os passos do Orlova, e ainda hoje opera como navio de expedição. Já o Mariya Yermolova encontra-se imobilizado aguardando uma definição com relação a seu destino.

O nome do navio homenageava uma famosa cantora e atriz russa chamada Lyubov Orlova. Nascida em 1902, Lyubov é considerada a primeira atriz soviética de cinema a atingir nível de fama e reconhecimento internacional.

Ela faleceu em 1975, um ano antes do navio entrar em operação.

Texto (©) Copyright Daniel Capella (com informações de Maritime Matters) | Imagens de divulgação e Canadian Press

Publicado originalmente em 16 de fevereiro de 2013
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2 Comentários

  1. completando ao texto

    – Em agosto de 1996 a bandeira passou a ser Malta, seu armador a Far Eastern Shipping Co., Murmansk, o transferiu para uma "subsidiária" Intrans, Murmansk

    – Em janeiro de 2009 sua bandeira foi transferida para a de Ilhas Cook, indicativo E5U2246, porto de registro Aviatiu, e em julho de 2012 foi adquirido pela empresa Neptune International Shipping Inc., Tortola, ilhas Virgens Britânicas, a qual deveria se encarregar de sua viagem para o 'corte'

    O reboque citado foi realizado pelo AHTS (Anchor Handling Supply Tug) "Atlntic Hawk" Bandeira canadense, IMO 9199115, Indicativo VCYY, de 165 bp (bollard pull)

    Construção: Estaleiro Bodogradiliste 'Titovo', Kraljevica. Iuguslávia, casco nr 413 em 06/76

    – Da classe ainda existem 5 navios:
    LYUBOV ORLOVA
    KLAVDIYA YELANSKAYA
    MARIYA YERMOLOVA
    SAMPAGUITA FERRY 2 – ex Marya Savina (96), Delsan IV (0/97)
    DEA ADVENTIRER – ex Alla Tarasova (07/96), Clipper Adventurer (10/12)

    Fontes:
    – Kludas Passenger Schiffe
    – Soviet Bloc Merchant Ships
    – LLoyds Internet Ship Register (Lloyds Register of Shipping)

    Espero ter contribuido para mais infrmações sobre este interessante navio

    Abs
    Marcelo

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